terça-feira, 15 de julho de 2008

Carla, a prostituta

Eu devia ter quatorze ou quinze anos. A minha frente um rio não muito largo, pouco sinuoso. A água era de cor clara. Fluía mata a dentro numa velocidade bastante tranqüila. A luz do sol atravessava as brechas entre as árvores e era refletida de forma agradável na água. O som dos pássaros e do vento nas folhas das árvores completavam o cenário. Estava tão concentrado com a vara de pescar e a entender como ou porque um peixe é atraído pela isca que nem prestava muita atenção ao ambiente que me envolvia. Vez ou outra eu deixava a linha com a isca paradinha num mesmo lugar. Sentia alguns pequenos puxões, mas não pegava peixe nenhum. Mudava de tática, fazendo com que a isca se movesse lentamente na vã esperança de que, com aquele movimento, algum peixe se interessasse por ela. Até deixar a ponta da vara virada para cima eu experimentei. Mas aquele era o dia da caça.

Já que não pegava peixe nenhum olhei para o lado para ver onde as outra pessoas estavam. Meu avô, pouco mais de cem metros abaixo, estava sentado, à margem, sobre uma grande pedra. Pareceu-me que os peixes gostavam mais da isca dele, já que consegui ver uma meia dúzia de peixes pendurados no galho de uma árvore. Entre meu avô e eu estavam meu pai (o de criação, não o biológico pois esse nunca conheci) e meu tio Dedé, irmão da minha mãe. Os dois improvisavam, num buraco e com algumas pedras, o fogão onde seria cozido um arroz com carne de sol e fritado os peixes. Os dois estavam conversando alguma coisa, em voz meio baixa, e por isso eu não os escutava.

Cansado de ficar ali naquele lugar onde estava e mais ainda motivado pelo sucesso do meu avô, decidi ir para mais perto dele, ainda na esperança de que algum peixe se sentisse atraído pela minha isca. Quando me aproximei do meu pai e do meu tio escutei a frase: - "Mas é bom levá-lo logo para ele conhecer e tomar gosto pela coisa.", dita pelo meu tio. - "Nunca conversei com ele sobre isso, mas vou levar sim.", respondeu meu pai. Eu não teria dado muita atenção ao assunto não fosse outra frase do meu tio, dita olhando para mim, com um sorriso lerdo no rosto: - "Né magrelinho? Tá na hora de descobrir o que tem de bom na vida!". Sem entender do que se tratava e mais interessado em conseguir apanhar um peixe, apenas sorri e continuei indo para onde meu avô estava.

Mais ou menos um ano depois estava em casa, sozinho com meu pai. Ele já tinha bebido algumas cervejas. Seu rosto já estava um pouco inchado e seus olhos moles, caídos. Eu fazia alguma coisa no meu computador, um TK2000 Color, meu passatempo preferido. Sem mais, sem menos, meu pai pega a chave da moto, uma ML 125 prata que tínhamos e diz: - "Vamos ali numas amigas minhas.". Salvei o que estava fazendo. Me levantei. Pedi para ir pilotando. Saímos. Fora as orientações sobre o caminho não falamos nada durante o trajeto.

- "Pronto! Chegamos.", disse ele em frente a uma casa baixa, com paredes no puro tijolo. Algumas placas de metal encostadas na parede. Em uma delas, escrito a mão, sem capricho nenhum, pude ler: Bar Samambaia. Meu pai desceu e entrou, enquanto eu estacionava a moto. Ao passar pela pequena porta do tal bar, pude ver, do lado esquerdo, um sofá revestido em plástico, com braços de madeira, pintados de preto, em formato cilíndrico e detalhes redondos nas pontas. Uma coberta de retalhos tentava cobrir os rasgados que nele havia. Do lado direito um balcão improvisado. Não era muito alto. Alguns bancos sem encosto ajudavam a reforçar a idéia de balcão. Atrás dele um freezer branco e uma geladeira azul claro. Na parede havia algumas folhinhas, aqueles calendários com gravuras que muitas empresas distribuem no final do ano, penduradas em pregos na parede. Lá no fundo mais um ou dois sofás pequenos, do mesmo modelo do maior encontrado na entrada. O chão era de cimento vermelho. Grosso. Sem brilho. Meu pai estava conversando com uma senhora, de mais ou menos quarenta anos. Ao me aproximar ela me olhou, voltou-se para meu pai e indagou: - "É a primeira vez?". Antes que meu pai respondesse, ou talvez ele tenha respondido com um aceno de cabeça que eu não tenha visto, ela continuou: - "Já falei para a Carla tomar um banho. Se ele quiser pode esperar no quarto. Ele bebe?". - "Não. Só eu. Esse é o garoto do pai. Não bebe e não fuma. Puxou a mãe.", respondeu e explicou meu pai e, voltando-se para mim, disse, apontando para uma porta azul: - "Pode esperar ali. A moça está tomando um banho.".

Constrangido com o lugar, com aquela mulher que eu nunca havia visto antes e com toda aquela situação, entrei no quarto. A primeira coisa que vi foi uma cama de casal, com uma colcha branca. A cabeceira era pequena. Acima dela uma janela com vitrô de correr. Estava fechada e tinha um lençol servindo como cortina. A esquerda uma penteadeira com um espelho não muito grande. Duas ou três gavetas. Poucos vidros de cremes, outros de perfumes e alguns outros cosméticos. Me virei, fechei a porta e a tranquei usando o trinco, única coisa que possuía para mantê-la fechada. Do lado esquerdo da porta, penduradas, em pregos na parede, duas toalhas. No canto um cesto com roupas sujas. Me voltei para a cama. Do lado direito uma porta. Pelas frestas saía uma luz fraca e o som do chuveiro.

Eu ainda estava ali, de pé, parado quando a porta do banheiro se abriu. Saiu de lá uma menina vestindo uma camiseta branca que lhe cobria até o meio das coxas. Enxugava, com uma toalha, seus cabelos compridos. Era gordinha, mas como quase todas as gordinhas que conheço, seu rosto era bonito. Sua pele era branquinha, quase tanto quanto a camiseta. Ela me olhou, sorriu e disse: - "Oi! Já estou quase terminando. Se quiser pode se deitar na cama.". E se dirigiu para a penteadeira.

Sem tirar os sapatos me deitei, deixando os pés fora da cama. Fiquei observando ela pentear seus cabelos. Sem parar de se pentear ela disse:

- "Meu nome é Carla." e em seguida perguntou: - "Qual o seu nome?".

Respondi e então ela perguntou: - "É a sua primeira vez?".

- Seria, respondi e continuei, se fosse acontecer alguma coisa aqui hoje.

Ela se virou e indagou: - "Você não quer? Não gostou de mim?"

- Não é isso! Respondi. É que não lhe conheço. Tenho uma namorada. Gosto muito dela. Meu pai não perguntou se eu queria vir aqui. Olha... Não leve a mal, mas ficaremos aqui conversando até dar a hora. Daí todos ficam bem: meu pai vai achar que me fez um favor. Você irá receber seu dinheiro. Pode ser?

Ela se levantou. Veio até a cama. Se deitou do meu lado e disse:

- "Ok! Como você quiser. E sobre o que você quer falar?".

- Quanto anos você tem?

- "Tenho dezessete. E você?".

- Quinze. Tem muito tempo que você trabalha aqui?

- "Aqui não. Mas faço isso desde os quinze.".

- E você gosta?

- "Algumas vezes. Quando são com pessoas legais, como você por exemplo.".

- Eu sou legal?

- "Parece que sim. Você é limpinho. Cheiroso. Não me tratou como uma puta. Está aqui conversando comigo... Eu gostaria de transar com você. Tem certeza que não quer?"

- Algumas vezes é ruim?

- "Muitas vezes. Não gosto de caras que fumam. Eles fedem. Alguns parecem não tomar banho nunca. Fedem. Alguns querem fazer algumas coisas que eu não gosto. Alguns são estúpidos."

Fiquei calado alguns minutos pensando em tudo aquilo...

- "Como é a sua namorada? É bonita?", me perguntou passando a mão no meu rosto.

- É linda. Inteligente. Brava...

- "Brava? Como assim, ela briga com você?".

- Algumas vezes. Ela é muito ciumenta. Não gosta que eu me atrase. Essas coisas.

- "Entendi. Meu namorado é assim também".

- Você tem namorado? Perguntei surpreso.

- "Tenho. Ele é um gato.".

- Mas... Ele sabe que você...

- "Não! Claro que não! Ele acredita que eu trabalho de arrumadeira de casa".

Nisso alguém bate na porta. E a voz da senhora que estava conversando antes com meu pai diz: - "Carla! Deixa de conversa e vai trabalhar. Faça logo o que tem que fazer.".

- "É colega...", me disse Carla, "...temos que fazer alguma coisa ou então você precisa ir.".

Me levantei. Ela também. Dei um beijo na bochecha dela. Agradeci pela conversa. Ela disse: - "Valeu! Se mudar de idéia me procure.". Saí do quarto. Pedi meu pai que pagasse a moça e perguntei se podíamos ir embora. De pronto ele atendeu. Voltamos para casa e nunca tocamos nesse assunto.

O vídeo abaixo tem a música que eu ouvia naquela época e ficava imaginando que o amor devia ser bom mesmo. Como tenho quase certeza absoluta que não terei música melhor para ilustrar essa história da minha vida e, não por amar Carla, mas por ela ter sido legal e termos conversado um pouco, aí está. Divirtam-se!




Letra
Tradução

2 comentários:

Anônimo disse...

Uma descrição quase balzaquiana.
Não sei como vc se lembra de tanto detalhe.

Junio Jose disse...

"Naquele momento de silêncio, uma porta se abriu; e, como no festim de Baltasar, Deus se fez reconhecer: apareceu sob a forma de um velho criado de cabelos brancos, andar trêmulo, sobrancelhas contraídas; entrou com expressão triste, fulminou com o olhar as coroas, as taças de prata dourada, as pirâmides de frutas, as luzes da festa, o arroxeado dos rostos surpresos e as cores das almofadas calcadas pelos braços brancos das mulheres; por fim, ele jogou um véu naquela loucura, dizendo estas palavras sombrias, em voz cava:

- Senhor, vosso pai está à morte."

Quem dera eu escrevesse assim... Mas obrigado pelo comentário.